FRM/JLA – Como explica a publicação do seu último livro, poesia de carácter experimental, após e em face da obra anterior que conquistara inegável prestígio?
HH – A resposta a esta pergunta está incluída na primeira. Resta-me acrescentar que o prestígio que possa ter alcançado (prestígio equivoco no qual se integra a malquerença de alguma gente, que aceito com satisfação) não poderia constituir uma poltrona. O prestígio é uma armadilha dos nossos semelhantes. Um artista consciente saberá que o êxito é prejuízo. Deve-se estar disponível para decepcionar os que confiaram em nós. Decepcionar é garantir o movimento. A confiança dos outros diz-lhes respeito. A nós mesmos diz respeito outra espécie de confiança. A de que somos insubstituíveis na nossa aventura e de que ninguém a fará por nós. De que ela se fará à margem da confiança alheia.
FRM/JLA – Que pensa da atitude da crítica relativamente a este livro?
HH – A crítica? Bem vê: nas circunstâncias em que me encontro, a crítica não me poderia ajudar. Ela de resto nunca ajuda um autor. Tende afazer de mediadora entre uma linguagem e um entendimento. Ajudará o leitor. Visto que bani das minha preocupações a ideia de comunicação, não considero a intervenção desse primeiro decifrador, do mediador. Porque não estou interessado em que o leitor adira...
Poucas apreciações críticas foram feitas ao livro, até porque só o enviei a três ou quatro críticos, cada um deles representando certo núcleo de opinião. Simples curiosidade da minha parte... A referência que lhe concedeu Álvaro Salema exprime, mais ou menos, a opinião dos neo-realistas a meu respeito e inscrevo-a na categoria dos meus pequenos divertimentos privados. A de João Gaspar Simões, mais esclarecida e esforçada, carece de informação. Não é possível criticar-se um livro de poesia experimental com os instrumentos aplicáveis à poesia convencional. Em todo o caso, Gaspar Simões é um homem atento, e a sua formação de base parece-me menos estreita que a da maioria dos críticos portugueses. Lamento que o seu conceito de poesia se vincule demasiado a alguns postulados da geração presencista.
FRM/JLA – Diga-nos se o seu livro de contos «Os Passos em Volta» constitui uma experiência isolada ou representa uma continuação da sua obra restante.
HH – Esse livro pertence ao mesmo sistema de propostas e soluções dos outros. Inscrevê-lo na designação de contos, ou chamar aos meus outros livros conjuntos de poemas, significa apenas ausência de superfície às categorias estabelecidas. Não me parece necessário referir a crise das classificações literárias. Caminha-se, sabemo-lo todos, para uma visão total da obra literária que se não podem adoptar distinções afinal nunca rigorosas, senão de um ponto de vista didáctico e, assim mesmo, somente em determinado grau de didactismo, «Os Passos em Volta» são a minha primeira tentativa para superar a dictomia prosa-poesia. Marcam também o meu interesse, no momento de referir algumas algumas experiências de facto, em que a circunstância desempenhava papel preponderante. Achei então que o poema, como eu o vinha praticando, não possuía a elasticidade, o ritmo, o clima verbal, capazes de abrange, adequadamente o tecido temático e circunstancial que eu pretendia explorar. Aquele livro permitiu-me tal experiência, tendo sido ele, afinal, um passo decisivo para a abolição dos preconceitos que vinham limitando o meu trabalho.
FRM/JLA – Sobre os cadernos «Poesia Experimental» que se lhe oferece dizer?
HH – «Poesia Experimental», cadernos cujos propósitos são parcialmente expostos no primeiro número e que mais cabalmente irão sendo nos seguintes, constitui o único esforço sistemático e de conjunto para a renovação da poesia portuguesa. Estes cadernos provarão também que existe na nossa poesia uma tradição que nunca foi sequer, de passagem, indicada. Quanto ao corpo de colaboradores, que espero ver presentes no diversos números que se projecta publicar, têm vindo todos eles, privada ou publicamente, tentando alguns meios novos da expressão poética. Salette Tavares ofereceu-nos agora algo que considero extremamente importante, tendo conseguido uma desenvoltura rara na utilização de uma gramática com pouca tradição onde se apoiar. António Aragão propõe um extenso poema-narração, bastante ambicioso,, justo em muitas das suas partes. Há nele uma multiplicidade de experiências que conduzirão a lugares diferentes do experimentalismo. E. M. de Melo e Castro consegue o melhor dos textos que publicou até hoje e onde se purifica a tendência «concretizante» dos seus processos. António Ramos Rosa aparece com textos semantemáticos de grande rigor que marcam corajoso passo em frente, passo aliás adivinhável já em «Ocupação do Espaço». António Barahona da Fonseca liberta-se dos seus vínculos surrealistas e promete o necessário salto mortal, para que, interiormente, se tem vindo a preparar. Quanto a mim, vou um pouco mais longe na exploração do principio combinatório inspirado nas calculadoras electrónicas, considerando no entanto tais experiências ainda pouco ousadas para o que pretendo. Espero conseguir um pouco mais.
Não existe qualquer uniformidade nas experiências em curso entre os colaboradores de «Poesia Experimental». É visível, imediatamente, que duas grandes tendências se desenvolvem no sei da revista. Uma a que poderei chamar «concretizante», que se apoia, digamos, numa concepção materialista da linguagem, procurando a coisificação da palavra. Outra «abstractizante», em que a ambiguidade e o indefinido, provenientes de uma inclinação barroca do espírito, se inserem no processo verbal, criando espaços míticos sobre os quais se pode dizer debruçar-se um sentido do maravilhoso. Esta tentativa de caracterização é de facto rudimentar e assinala apenas diferenças profundas imediatamente observáveis.
FRM/JLA – Quanto a si, quais os movimentos ou tendências da poesia portuguesa actual que lhe parecem importantes, não só do ponto de vista de renovação formal, estética como também sob o ângulo conceptual e humano?
HH – O único movimento poético que me parece moderno é o Experimentalismo. E estou a referir-me tanto ao nosso país como à poesia em geral. Os meus interesses estão de tal modo virados para ela que me é quase impossível dar atenção à poesia convencional, por mais notável que seja, dentro dos seus recursos e propósitos.
Quanto ás expressões «formal», «conceptual», «estético» e «humano», nas acepções utilizadas na sua pergunta, nada tenho a dizer. Representam conceitos não integráveis, desse modo, no meu processo de pensamento. Em poesia, formal, conceptual, estético e humano significam, conjuntamente, «linguagem». E poesia, como diria certo crítico norte-americano, é linguagem. Isolar o implícito, explicitando-o, servirá apenas para estabelecer um sistema insolúvel de situações.
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